ATA DA TRIGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 27.10.1994.
Aos vinte e sete dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e quatro reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dez horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a homenagear os noventa anos da imigração judaica no Rio Grande do Sul, nos termos do Requerimento nº 179/94 (Processo nº 1863/94), de autoria do Vereador Isaac Ainhorn. Compuseram a MESA: Vereador Luiz Braz, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Doutor Samuel Burd, Presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul; Doutor Israel Lapchik, Presidente do Conselho Geral das Entidades Judaicas no Rio Grande do Sul; Doutora Ana Marisa Ossok, representante da Procuradoria Geral de Justiça do Estado; Doutor Eliseu Gomes Torres, representante do Tribunal de Justiça do Estado; Doutora Celita Rospide Motta, representante da Secretaria Especial para Assuntos Internacionais do Estado; Jornalista Firmino Cardoso, representante da Associação Riograndense de Imprensa; Vereador Isaac Ainhorn, na ocasião, Secretário “ad hoc”. Após, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, a seguir, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Isaac Ainhorn, em nome das Bancadas do PDT, PMDB, PTB, PC do B, PFL e PP, discorreu sobre a chegada dos primeiros imigrantes judeus no Rio Grande do Sul, declarando seu orgulho por participar da presente Sessão comemorativa aos noventa anos da imigração judaica no Estado. O Vereador João Motta, em nome da Bancada do PT, destacou a grande contribuição do povo judaico para a cultura gaúcha, estendendo a presente homenagem aos judeus de todo o mundo e a todos aqueles que sonham e lutam por uma sociedade marcada pela paz. O Vereador Pedro Américo Leal, em nome das Bancadas do PPR e do PSDB, falou sobre a trajetória do povo judeu, em sua busca de uma pátria onde seus filhos pudessem crescer embasados por uma ideologia de fé indestrutível e de busca da paz e da liberdade, saudando, em especial, os imigrantes judeus que vivem hoje em nosso Estado. O Vereador Lauro Hagemann, em nome da Bancada do PPS, analisou a forma como a imigração dos povos vai contribuindo para a construção de uma sociedade, saudando a comunidade judaica e atentando para a participação significativa dessa comunidade no crescimento do Estado e, particularmente, de Porto Alegre. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra a Senhora Matilde Groisman Gus, Diretora do Departamento Cultural da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, que agradeceu a homenagem prestada pela Casa ao povo judeu, discorrendo sobre a presença desse povo nos eventos mais significativos da história brasileira. Durante os trabalhos, o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, do Senhor Artur Zanella, Presidente da Companhia Riograndense de Turismo, do Doutor João Carlos Vasconcellos, Presidente da Empresa Porto-Alegrense de Turismo, da Senhora Sandra Moscovich, Diretora Executiva do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, de professores e alunos do Colégio Israelita Brasileiro e de membros e funcionários da Federação Israelita do Rio Grande do Sul. Às onze horas e trinta minutos, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos, convidando os Senhores Vereadores para a Sessão Solene a ser realizada às quinze horas. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Luiz Braz e secretariados pelo Vereador Isaac Ainhorn, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Isaac Ainhorn, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.
(Obs.: A Ata digitada nos Anais é cópia do documento original.)
O SR. PRESIDENTE (Luiz Braz): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada a homenagear os 90 anos da Imigração Judaica no Rio Grande do Sul, de acordo com o Requerimento 179/94, Processo 1863/94, de autoria do Ver. Isaac Ainhorn.
Convidamos a fazer parte da Mesa o Dr. Samuel Burd, Presidente da Federação
Israelita no Rio Grande do Sul; o Dr. Israel Lapchik, Presidente do
Conselho-Geral das Entidades Judaicas no Rio Grande do Sul; a Exma. Dra. Ana
Marisa Ossok, representante da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado; o Exmo.
Dr. Eliseu Gomes Torres, representante do Tribunal de Justiça do Estado; a
Exma. Dra. Celita Rospide Motta, representante da Secretaria Especial para
Assuntos Internacionais do Estado; e o Exmo. Sr. Jornalista Firmino Cardoso,
representante da ARI.
Solicitamos que todos, em pé, cantem o Hino Nacional.
(É executado o Hino Nacional.)
Para nós é uma satisfação muito grande podermos estar aqui na Câmara
Municipal prestando esta homenagem aos 90 anos da imigração judaica no Rio
Grande do Sul. Nós somos sabedores de toda a luta que o povo judeu tem através
dos tempos para se firmar, realmente, como um grande povo. E esse povo que tem
dado a toda a humanidade grandes lições, lições de sabedoria que eu acredito
que são confirmadas em todos acordos que são assinados lá no Oriente Médio, o
que faz com que nós tenhamos muita esperança de que, também naquela região, que
sempre foi muito perigosa - um grande barril de pólvora -, que realmente lá
também a paz possa realmente fazer morada e que todos possam se beneficiar
dessa paz, que começa lá e que se estende por toda humanidade.
Nós queremos convidar para ocupar a tribuna aquele que foi o requerente
desta Sessão, o Ver. Isaac Ainhorn, que falará também pelas Bancadas: PDT,
PMDB, PTB, PC do B, PFL e PP.
O SR. ISAAC AINHORN: Sr. Presidente da Câmara
Municipal de Porto Alegre, meu colega Ver. Luiz Braz. (Saúda os componentes da
Mesa.)
(Lê.)
“Noventa anos são passados desde que as primeiras 37 famílias judaicas
chegaram ao Rio Grande do Sul e assentaram-se na Colônia Philipson, nas
cercanias de Santa Maria, iniciando um processo migratório idealizado pelo
Barão Maurice Hirsch como forma de livrar os judeus da Europa Oriental da
macabra rotina dos pogroms, garantindo-lhes, em um novo país, a tranqüilidade
indispensável para que tocassem em frente suas vidas e conseguissem criar seus
filhos.
Cumpria-se mais uma etapa na conturbada vida do povo hebreu, sempre em
busca de novas terras para fugir das hostilidades e perseguições que marcaram
sua história e permearam sua tradição histórica. Escravos no Egito, cativos na
Babilônia, os judeus sempre encontravam uma forma de retornar à Terra
Prometida. Até terem esta sua persistência esmagada pela força das legiões
romanas, o que provocou uma inevitável dispersão e afastou os judeus das lides
agro-pastoris, transformando-os em um povo nômade, sem direito à terra, e que
precisou buscar alternativas em outras profissões, atuando como marceneiros,
açougueiros, alfaiates, comerciantes e artesões.
A chegada ao Rio Grade do Sul, portanto, tinha duplo significado para
os judeus. De um lado, a expectativa de finalmente aportarem em uma terra que
lhes prometia a possibilidade de integração, sem perseguições ou
discriminações. De outro, porém, o grande desafio de retomarem a tradição
histórica dos hebreus, fazendo produzir frutos numa terra ainda virgem.
O choque foi grande. Bem diferente dos coloridos prospectos
distribuídos pela Associação Israelita de Colonização criada pelo Barão Hirsch,
que mostravam um lavrador sob um límpido céu azul, arando a terra, cercado por uma
paisagem que incluía trigais maduros, coqueiros e palmeiras e um pomar com
muitas laranjeiras. Os imigrantes judeus depararam-se com o desafio do ambiente
sub-tropical das florestas que cercavam as pequenas casas de madeira em que
foram instalados e de terras áridas e de difícil cultivo.
Anos mais tarde, grande parte migraram novamente, desta feita rumo às
cidades da região e até a Porto Alegre, vencidos pelo fato de, apesar do árduo
trabalho, não conseguirem sucesso na atividade agrícola. Nas grandes cidades,
trabalhando como mascates e no comércio ambulante, conseguiram a almejada
ascensão social e integraram-se definitivamente à sociedade gaúcha.
Alguns afirmam que o esvaziamento das colônias deveu-se ao fato de,
após tão longos períodos vitimado por perseguições, o povo judeu ter-se tornado
nômade, sem vocação para a agricultura e sim para o comércio. A esses
contrapõem-se aqueles que debitam o êxodo dos judeus do campo à falta de
conhecimento da região que ocupavam e à inexistência de uma política agrícola
de fixação na terra.
Há sólidos argumentos a serem considerados em ambos os lados. Mas
entendo que seria errôneo insistir na perspectiva de que o judeu caracteriza-se
essencialmente por sua habilidade como comerciante. Afinal, embora uma parcela
majoritária dos originários da Colônia Philipson tenha trocado as incertezas do
trabalho agro-pastoril e feito a vida a partir das atividades do comércio, é
indispensável lembrar que ainda hoje, nos 1.000 hectares da Fazenda Philipson -
o que restou da colônia fundada em 1904 -, os descendentes de Abrahão
Steinbruch continuam na atividade agro-pastoril, criando gado de corte,
plantando soja e pastagens. De forma mais intensa, os que imigraram para
Erechim e suas cercanias muitos de seus descendentes até hoje acham-se ligados
à atividades agro-pastoril.
Também os judeus, quando finalmente lhes foi concedido o direito de
criarem o Estado de Israel, em 1948, retomaram a tradição dos hebreus pastores
e conseguiram, com árduo e persistente trabalho, fazer vicejar o deserto,
transformando regiões, algumas pantanosas, outras áridas e desertas, em
frondosos jardins; além de construírem uma próspera e democrática nação que ao
longo dos anos tem dado inúmeros exemplos ao resto do mundo. Uma nação
conquistada com imensos sacrifícios e que por isto mesmo defende
instransigentemente sua existência, enquanto demonstra a toda a humanidade que
persegue com igual intensidade a paz. Como, aliás, o demonstram os recentes
tratados assinados com palestinos e jordanianos.
O exemplo dado pelas colônias judaicas instaladas no Rio Grande do Sul
e seus desdobramentos é o exemplo da História: o povo judeu, empurrado pelas
perseguições, fixou-se onde pôde. E nestas novas terras, a par de cultivar suas
tradições religiosas e culturais, integrou-se plenamente, contribuindo de forma
decisiva para seu desenvolvimento. Sua presença tem sido marcante em todas as
atividades da vida, identificando uma plena integração à sociedade brasileira,
destacando-se quer seja no contexto privado como no público. De seu vínculo
estreito com o conhecimento, procuraram a sua libertação através do processo
cultural e educacional e assim o conseguiram, transformando-se, grande parte
deles, os filhos dos primeiros imigrantes, em médicos, advogados, engenheiros,
jornalistas e tantas outras profissões, destacando-se por igual na indústria e
no comércio, sobretudo com o esforço da acumulação de capital, através do
trabalho e da perseverança.
Esta comunidade que aqui começou a aportar há 90 anos e que o terror da
escalada do antisemitismo e da ascensão do nazismo fez engrossar a sua
imigração, acossada pelo medo e pela insegurança do que acontecia na Europa, em
menos de um século proporcionou destacadas contribuições à sociedade
brasileira, e aqui se acha integrada como uma parcela de um todo, sem perder a
sua identidade.
Convém, por derradeiro, salientar mais uma vez a presença de seus
filhos se projetando em todos os segmentos do saber. Na ciência e na
tecnologia, na cultura e nas artes, na indústria e no comércio, e já se fazendo
presente de forma marcante também na complexa função de gerir o Estado.”
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Queremos registrar aqui as presenças do Ver. Artur Zanella, Presidente da
CRTUR; do Dr. João Carlos Vasconcellos, Presidente da EPATUR; da Delegação de
Professores e Alunos do Colégio Israelita Brasileiro; e dos demais membros e
funcionários da Fundação Israelita do Rio Grande do Sul. Muito obrigado a todos
pela presença.
O Ver. João Motta está com a palavra em nome da Bancada do PT.
O SR. JOÃO
MOTTA:
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Luiz Braz.
(Saúda os componentes da Mesa e as pessoas presentes à homenagem.)
(Lê.)
“É com satisfação que homenageamos no dia de
hoje os noventa anos de imigração judaica no Estado do Rio Grande do Sul, que
desde 18 de outubro de 1904 contribuiu para o crescimento das nossas cidades,
para o incremento da atividade econômica, para o enriquecimento da cultura e do
saber em nosso Estado.
A presença dessa comunidade reforça valores
dos quais nosso Estado se orgulha. Condenamos qualquer tipo de preconceito
racial, cultivamos a tolerância, recebemos de braços abertos aqueles que vêm
para o convívio entre nós.
Impossível não reconhecer na história do povo
judeu importantes fragmentos que representam o homem moderno. Essa comunidade
participou ativamente da construção, do desenvolvimento, da modernização de uma
centena de países, a maioria muito distantes daquele lugar que fora o berço de
sua civilização. E ao lado dessa relação de integração com o mundo, que pouco a
pouco quebra as barreiras imaginárias da diferença étnica, esse povo exerceu o
seu direito de preservar e cultivar todos os seus costumes e seus laços
culturais. Em uma era como a que vivemos, em que o mundo mergulha em um
frenético processo de globalização, o direito à diferença, à preservação dos
traços particulares de cada povo, de cada cultura, são não só um direito como
uma garantia da pluralidade, da convivência democrática, e um antídoto contra
qualquer ameaça de totalitarismo.
Acredito que neste ano de 1994 temos razões
muito especiais para esta homenagem. Lembro-me, como se fosse ontem, do dia 20
de janeiro de 1991. Naquela noite, a coalizão de diversos países, liderada
pelos Estados Unidos, iniciava a invasão do Iraque e uma guerra onde milhares
de vidas seriam ceifadas. Lembro-me, como se fosse hoje, que nos debates que
fazíamos internamente, dentro nosso Partido, o PT, a respeito daquele conflito,
dizíamos, juntamente com outros companheiros, que era preciso não só condenar a
guerra e a ação norte-americana, mas era também preciso estar solidário com
Tel-Aviv que, aliás, observou pacientemente os mísseis iraquianos sobrevoarem o
seu céu, porque sabia que seu envolvimento na guerra traria proporções ainda
mais trágicas à crise do Golfo. Adotamos naquele momento essa posição porque,
para nós, a paz é um valor universal, está acima dos partidos políticos; é
inclusive um valor, acima de tudo, humano para judeus, palestinos, jordanianos,
enfim, para todos os povos, para negros e brancos. Impossível, portanto, não
reconhecer, naquele momento, que o Estado de Israel dava uma demonstração de
disposição de paz, assim como também é impossível não reconhecer essa mesma
disposição no acordo firmado ontem. Com o pessimismo que o início daquele ano
introjetava para todos nós e para o mundo, contrastamos o otimismo e a alegria
com que assistimos, em 1994, a celebração do acordo de paz entre o Estado de
Israel e o povo Palestino. Shimon Perez, Itzak Rabin e Yasser Arafat deram ao mundo
uma demonstração de grandeza, de afirmação da vida, da crença no convívio
pacífico entre os homens. Em uma era de incertezas, de conflitos, esse gesto,
sem dúvida nenhuma, transcende a judeus e palestinos. É um gesto de fé em toda
a humanidade. Portanto, ao homenagearmos os 90 anos da imigração judaica,
queremos, simbolicamente, estender essa homenagem a esse povo em todo o mundo e
também a todos aqueles que se esforçam para o convívio respeitoso entre os
povos e entre os países. E, também, simbolicamente, homenagear todos aqueles
que lutam pela paz, independente de cor, sexo, raça, etnia ou religião.
Portanto, a nossa solidariedade, em nome da Bancada do PT, à imigração judaica
no Rio Grande do Sul.” Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: O Ver. Pedro Américo Leal
está com a palavra, falará em nome das Bancadas do PPR e PSDB.
O SR. PEDRO
AMÉRICO LEAL:
Exmo. Sr. Presidente, Ver. Luiz Braz; Exmas. autoridades já nominadas pelos
ilustres oradores que aqui me antecederam; Senhores e Senhoras. Em estilo
clássico, Gustavo Doré, reproduz em tela famosa, significante episódio da
riquíssima história do povo judeu, cuja a destinação empolga e envolve o mundo
atual.
Há 24 horas atrás, ontem, no deserto de
Ahaba, em pleno Oriente Médio, o Presidente Bill Clinton assiste, entre o Mar
Vermelho e o Mar Morto, o encontro de Jordanianos e Judeus pela paz.
Simultaneamente, um rabino e um sacerdote muçulmano entoam preces pela paz e
sobe aos céus aquela palavra tão conhecida do povo judaico: “Shalon”.
A tela de Doré busca reproduzir lances dessa
caminhada do povo judeu por um pedaço de chão que viesse a se chamar pátria. Em
seu plano superior mostra Ciro, o Conquistador, libertando o povo judeu,
escravizado por Nabucodonosor, ordenando a seus comandantes, no plano médio da
pintura, a devolução dos vasos sagrados do templo da paz. O autor da obra logra
com genialidade dar a expressão de deslumbramento na fisionomia daquela gente
sofrida, recebendo as relíquias salvas do templo de Salomão. Está ali mais um
dos momentos épicos na tragetória sem paralelo desse povo, sobre a qual não
podemos nos aprofundar porque desconhecemos seu fundamento histórico-religiodo.
Quem somos nós para dissertar sobre isso? Mas nos permite identificar a
inexorável trajetória de seu deslocamento, envolvendo, em todos os tempos,
todas as civilizações do universo.
E nos vem a indagação: por que esse povo,
reduzido em número, privilegiado em inteligência, concentra sobre si todas as
atenções do mundo, sem ter tido um lugar para morar? Sem ter tido onde colocar
seus trastes, criar seus filhos, não obstante ter sido apontado por Deus como
povo escolhido e preferido? Sempre andando, provocando lendas, curtindo
sofrimentos, assistindo o seu templo, erguido 10 séculos antes da nossa era,
ser destruído, privado-o por seis séculos do local de inspiração dos Profetas;
reconstruindo tudo outra vez e novamente posto abaixo 70 anos pelos Romanos, na
nossa era.
E a caminhada prosseguiu por desertos entre
oragas e pestes na fé inabalável de leis ditadas, enfrentando impérios, sob o
jugo escravo, vencendo e sobrevivendo sempre pela fé. Reis passaram, mares se
abriram, câmaras de gás eliminaram milhões de judeus, para em 1948, pelas mãos
de um brasileiro, e gaúcho, receberem uma pátria, areia do deserto: Estado de
Israel. O que não significou a paz. Jerusalém sempre Jerusalém, em questão,
onde Abraão dissera ser no meio pagão a visão da paz, etimologicamente.
Não obstante esse pedaço de chão, a tal da
pátria, que pouco significa topograficamente, face ao resto do mundo, coloca
constantemente em prova esta gente que caminha, pois ali, exatamente ali em
Jerusalém, três das mais importantes religiões monoteístas depositam as suas
origens sagradas: a judaica, a cristã e a muçulmana. Mas por que ali?
O desafio, sempre o desafio, e o povo que
caminha continua a se espalhar pelo mundo, contribuindo com a sua excepecional
inteligência, com a sua cultura invulgar, a sua operosidade reconhecida por
todos, para a formação de outras sociedades, inclusive a nossa. Mesmo assim, o
destino sempre os obrigou a imigrar, até para a sua pátria eles imigram, pois
na formação de Israel, convergiram judeus de nada mais, nada menos, do que
oitenta países do mundo.
O Rio Grande também os recebeu, citados aqui
pelos meus ilustres colegas, com tanta oportunidade. Há 90 anos atrás, quando o
calendário judaico marcava o ano 5665, os gaúchos viraram a folhinha do dia 18
de outubro de 1904, e chegava a primeira leva de 38 famílias oriundas da
Besarábia. A iniciativa coubera a um líder judaico, um tal de Barão Maurice de
Hirsch que, sensível ao sofrimento de seus irmãos, funda através da associação
de colônias judáicas um povoamento, dando início, entre nós, no Município de
Santa Maria da chamada Colônia ou Fazenda Philipson.
Mais duas ondas imigratórias de 340 famílias,
nos anos de 1911 e 1913, dirigiram-se para os Municípios de Erechim e Getúlio
Vargas. Eram judeus saídos por pressões políticas e étinicas da Rússia, Polônia
e Lituânia. Destinados ao cultivo da terra, não podiam conter, todavia, suas
vocações para o comércio procurando os centros urbanos onde se situaram.
Os judeus-brasileiros, principalmente os do
Rio Grande do Sul, marcaram suas presenças pela enorme contribuição que
emprestaram nas áreas de economias, do jornalismo, da engenharia, no ensino de
3º grau, e, principalmente, pela capacidade que tiveram de se movimentar
integrando-se completamente a sociedade gaúcha.
Quando muito vislumbramos um bairro onde
preferencialmente moram, mas estão espalhados e mesmo misturados com a nossa
comunidade, a tal ponto de que em recentes estatísticas, particularmente tenho
esta mostragem em minha família, a geração de jovens judeus de 20 a 40 anos
casou-se com parceiros não judeus, constituindo uma sociedade nitidamente
integrada.
A primeira comunidade judáica, aquela lá de
Santa Maria, a dos imigrantes da Fazenda Philipson, nada é mais do que um
monumento traduzido pelo cemitério com 80 sepulturas. Os judeus andaram, se
foram, se misturaram; os judeus estão por aí, hoje até por aqui, deixando
estampado lá na colônia, na Philipson, onde eles não ficaram, uma mensagem dos
seus descendentes, daqueles que foram gerados pelos que fizeram a colônia. Uma
mensagem que diz tudo e fala assim, entre aspas, eu não vi, mas os compêndios
atestam: “aos imigrantes que nos legaram a fé indestrutível e uma terra de paz,
que nos legaram a fé indestrutível e uma terra de paz e liberdade.” A esta
gente, sempre presente, no Rio Grande, o Rio Grande é muito agradecido. A
Sociedade Gaúcha, com muita honra, obriga em todos os seus segmentos,
personalidades que traduzem o quanto valeu essa contribuição. A esta iniciativa
que esta Câmara, Sr. Presidente, através da minha pessoa, falando pelo Partido
que represento, falando pelo meu amigo Ver. João Dib que aqui não está - ele
está na reunião do meu Partido neste momento, no Hotel Everst -, desejo trazer
o seu abraço para todos vocês, porque nós lhes queremos muito bem e achamos que
vocês são como nós. O Ver. Isaac Ainhorn está completamente integrado aqui, não
há diferença: vocês são nós. A grande pergunta respondida por eremita que
deseja entrar no Mosteiro e que a ninguém era facilitado. Por que é que não se
entrava, por que ninguém conseguia ser um monge naquele Mosteiro? Que pergunta
tão exigente que se fazia quando se abria a portinhola para o candidato ser
entrevistado? A pergunta era uma só: “Quem sois vós? E a porta sempre esta
fechada. Mas que responda complexa que nunca satisfazia ao exigente Monge que
fiscalizava a entrada daquele que pretendia também gozar das ordens monásticas.
Até que um dia as portas se rangeram e alguém entrou. Foi então satisfeita a
pergunta. O que ele disse ao ser perguntado: “Quem sois vós?” Apenas uma
afirmação: “Eu sou tu. Eu sou tu. Vocês são nós. Nós somos vocês.” Muito
obrigado. (Palmas.)
(Revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
O Sr. Presidente Hagemann fala em nome da Bancada do PPS.
O SR. LAURO
HAGEMANN:
(Saúda os componentes da Mesa.) Os oradores que me antecederam traçaram em
largos traços, para não ser redundante, a saga do povo Judeu, desde a Diáspora,
antes dela e até os nossos dias. É uma história altamente edificante para o
conjunto da civilização humana. Estamos reunidos aqui, hoje, para comemorarmos
os 90 anos da imigração judaica no Rio Grande do Sul, particularmente porque se
sabe que junto com Pedro Álvares Cabral já veio um judeu, não é de hoje que a
presença judaica no nosso País se faz, sempre atual. É uma festa de todos nós,
porque todos nós somos imigrantes, uns vieram mais cedo, outros mais tarde, mas
todos acabamos vindo para este País. Abençoado País que soube receber todos
esses contingentes de braços abertos, para que aqui, neste País, com todos
esses povos, se possa construir um futuro conceito sociológico, uma nova nação.
Estamos fazendo isso, não sei quanto tempo vai demorar; a integração desses
povos, a participação dessas comunidades, a imigração - que não terminou - vai
contribuindo para amalgamar este novo povo, este novo País. É verdade que temos
que superar muitas diferenças, conceitos milenares, mas este País, dada à sua
disposição de mais de século, se configura como possível e passível de
construir esta nova sociedade.
O mundo está mudando muito e de maneira
acelerada. Não sabemos o que nos espera no terceiro milênio. Muitas coisas vão
acontecer, mas queremos saudar a participação da Comunidade nesses seus 90 anos
de comemoração, como um fator a mais de consolidação desse novo processo
civilizatório que estamos vivenciando dia-a-dia. Esta Casa, esta Cidade, este
Estado, são testemunhas dessa participação. Um dos oradores disse que queremos,
daqui há dez anos, se possível, estarmos todos presentes na grande comemoração
do centenário. Outras correntes migratórias já terão completado mais tempo, mas
a corrente imigratória Judaica tem a sua presença obrigatória no
desenvolvimento integral deste Estado e, particularmente, desta Cidade. Por
isso, esta comemoração hoje, junto com toda a comunidade, é altamente
significativa. Nós, como imigrantes também, sentimo-nos integrados nesse
processo, porque ele é parte da construção deste País. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Todas as Bancadas estiveram presentes ou representadas nesta homenagem. Agora,
falta ouvir a representante de quem está sendo homenageado por esta Casa e por
toda a nossa Cidade, porque, afinal de contas, a Câmara Municipal de Porto
Alegre resume a sociedade porto-alegrense. Aqui temos todos os segmentos
praticamente representados na figura dos 33 Vereadores. Nós vamos conceder a
palavra a Professora Matilde Groisman Gus, Diretora do Departamento Cultural da
Federação Israelita no Rio Grande do Sul.
Nós queríamos, também, registrar a presença
da Diretora Executiva do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, Sra. Sandra
Moscovich.
A SRA. MATILDE
GROISMAN GUS:
(Saúda os Componentes da Mesa.) Quero falar em nome da nossa Comunidade,
através da indicação da Federação Israelita do Rio Grande do Sul.
Nossa egrégia Câmara de Vereadores comemora
hoje, nesta Sessão Solene, os 90 anos do início da imigração Judaica organizada
para o nosso Estado. No entanto, considero válido observar, como já disseram
oradores anteriores, que os judeus estão presentes no Brasil desde o seu
descobrimento. É um fato que tem sido pouco explorado e, portanto, julgo
interessante relatar alguns exemplos curiosos da presença dos judeus no início
do desenvolvimento da nossa Pátria.
Com Pedro Álvares Cabral, conforme citou o
Ver. Lauro Hagemann, vieram: o judeu Mestre João, físico e autor de uma carta
geográfica, que foi considerada valiosa como documento da descoberta e, também,
o famoso Gaspar da Gama, conhecedor de vários idiomas e viajante experimentado
e que, por isso, acompanhou Pedro Álvares Cabral, como Capitão-Mor. Logo após o
descobrimento, o Rei de Portugal, D. Manoel, arrendou a Colônia a um grupo de
cristãos-novos, que são aqueles judeus conversos à força devido à inquisição na
Espanha e em Portugal, especialmente. Dom Manoel arrendou, foi o primeiro
arrendamento. Foi uma colônia para os cristãos-novos que deveriam se dedicar à
exportação do pau-brasil, e que por isso mesmo passou a ser conhecido como
“madeira judaica”.
Em 1503, o cristão-novo Fernão de Noronha
descobre a ilha que leva o seu nome até hoje. Em 1504, ele é nomeado seu
donatário. Daí a origem dos donatários e das capitanias, posteriormente. Foi,
portanto, um cristão-novo, um judeu converso à força, o primeiro donatário do
Brasil. Afirmam vários historiadores de renome que a cana-de-açúcar foi
introduzida no Brasil por judeus, que eram, segundo Oliveira Lima, o melhor
elemento econômico de tempo. Também afirma Gilberto Freire, que todos
conhecemos, que foi a mecânica judaica da indústria do açúcar importada pelo
Brasil. O que se explica pelos mais de 200 engenhenhos pertencentes a
cristãos-novos.
Já em 1556, havia chegado a Pernanbuco e ao
Nordeste mais de 600 judeus, portanto uma leva organizada de imigrantes, e o
Governador de Pernambuco, Jerônimo de Albuquerque, escrevia ao Rei Dom João III
sobre o judeu Diogo Fernandes - proprietário de um engenho de açúcar - que
quanto ao conhecimento e capacidade para operação de engenhos, “outro mais
suficiente que ele não se acharia nessa terra.”
São também os judeus responsáveis pelas
primeiras plantações no Brasil de fumo, arroz e algodão. É até hoje voz
corrente que os brasileiros com nomes de árvore, frutos, cidades podem ser
descendentes de cristãos-novos, que adotavam esses nomes para esconder o seu
sobrenome judeu, o qual certamente lhes traria tortura e morte nos autos-de-fé
da inquisição. No Brasil de hoje, cadinho, onde num feliz amálgama, se
consolidaram inúmeras etnias vindas da Europa, África e Ásia, a palavra
imigrante tem uma conotação simpática e, até por vezes, romântica; ao contrário
da xenofobia que varre, principalmente os países europeus, com alguns eventuais
e tristes respingos em nossa América.
Em fins do século XIX, com uma política
positivista e liberal, o Brasil recorre à imigração como fator de aumento
populacional e de progresso rápido. Desde então, e até 1950, chegam a nosso
País cinco milhões de habitantes, principalmente da Europa. Foi no bojo dessa
grande leva que chegaram, a partir de 18 de outubro de 1904, os primeiros
grupos organizados de imigrantes judeus para nosso Estado. A maioria veio da
Rússia, Polônia e Romênia. A razão de sua vinda foi a esperança de um mundo
melhor. Nos locais acima citados viviam os judeus em pobres vilarejos, pois as
profissões de nível, boas escolas e posse de terra lhes eram proibidas.
No “shtell” (vilarejo judaico) os cruéis
“pogroms” e a pilhagem constante dos cossacos e arruaceiros, aterrorizavam as
famílias. Para os jovens, o serviço militar obrigatório que durava 15 anos era
uma sentença de morte dado os maus tratos e perseguições que sofriam.
Tudo conseqüência das péssimas condições de
vida dos povos poloneses, russos, romenos, etc., a quem seus governos ofereciam
os desprotegidos judeus como bode espiatório, e do tradicional anti-semitismo,
facilmente propagado entre a população ignorante e supersticiosa.
Mas, diz o sábio livro do Talmud: “Qualquer
judeu é responsável por todo o povo e o povo todo é responsável por qualquer
judeu”.
Atendendo a esse ético preceito o Barão
Maurice de Hirsch, não suficientemente elogiado por todos nós, filantropo
judeu, fundou na Europa a Associação de Colonização Judaica - ICA, em 1891, em
fins do século XIX, com o objetivo de adquirir terras onde a liberdade era uma
realidade, para nelas instalar seus irmãos necessitados. A América do Sul, a
Argentina e o Brasil receberam grandes grupos desses judeus. Assim, em 19 de
outubro de 1904, após 50 dias de uma terrível viagem num barco quase
desprotegido contra as intempéries, chegou, primeiro a Rio Grande e, após, a
Philipson - localidade próxima a Santa Maria - a primeira leva de imigrantes
judeus. Eram 38 famílias pobres, quase estranhas entre si e inexperientes no
trabalho da terra, o que é compreensível. Alguns anos após, mais famílias
chegaram a Philipson e um grande grupo chegou a Quatro Irmãos, em 1912,
fundando as Colônias de Baronesa Clara e Barão Hirsch nas proximidades de
Erechim.
Não é demais enfatizar a magnífica
contribuição que a imigração judaica trouxe ao nosso Estado e ao nosso País.
Defensores por excelência dos ideais democráticos, da justiça social,
respeitadores da ordem e amantes da paz. Assim podemos descrever a digna
trajetória de nossa comunidade desde o longínquo 18 de outubro de 1904 e,
quiçá, desde o descobrimento do Brasil, até os dias atuais. Espero que esta
declaração não seja interpretada como imodesta ou arrogante. Ela é apenas uma
sincera e honesta avaliação da atuação de nossa minoria judaica. Esse
sentimento aqui expresso tem mão dupla na relação com a comunidade mais ampla:
de um lado, como brasileiros, nos orgulhamos de nosso Brasil, onde a vocação
democrática da maioria auspicia a convivência fraterna e respeitada de todas as
suas minorias; e do outro lado, como membros de uma dessas minorias, somos
defensores ferrenhos do direito de cada cidadão de pertencer inequivocamente ao
todo e poder ser diferente de seu irmão, sem por isso ser discriminado. Dessa
forma seremos todos, os brasileiros, uma grande e harmoniosa família, em que
cada membro tem suas idiossincrasias respeitadas e sabe que da atuação
responsável de cada um depende o equilíbrio e o bem-estar de todos.
Agradecendo a nossa querida Câmara de
Vereadores por esta homenagem, encerro com a prece que, por coincidência, foi
feita por todos os oradores que me antecederam, e que têm acompanhado o povo
judeu há milênios e também acompanha a todos os povos civilizados: “shalon,
shalon, paz!” Muito obrigada.
(Não revisto pela oradora.)
O SR.
PRESIDENTE:
Ao longo do tempo nós temos feito homenagens a todos aqueles povos que vieram
para cá e serviram para engrandecer o nosso País e que trouxeram a sua
sabedoria, sua cultura e todo o seu conhecimento para fazer com que esta terra
pudesse ser cada vez melhor. Neste ano nós já prestamos homenagens ao povo
alemão, também tivemos a oportunidade de prestar homenagens ao povo italiano,
ao povo português, ao povo espanhol mais recentemente e agora ao povo judeu.
Quero dizer que todos eles, a exemplo do que
faz agora o povo judeu, enaltecem as qualidades do seu povo, da sua terra mas,
em primeiríssimo lugar, não deixam de cantar esse amor pela nossa terra, pela
nossa pátria, porque, afinal de contas, todos os povos, todos aqueles que aqui
estão, venham de onde vierem, são irmãos, e os irmãos brasileiros estão cada
vez mais unidos para fazer esta terra cada vez melhor. Se Deus quiser! Muito
obrigado.
Estão encerrados os trabalhos.
(Encerra-se a Sessão às 11h30min.)
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